Hello Freedom's pussycats!!!
Esta semana resolvemos fazer um PAPO F extra. Tivemos a grande honra de entrevistar o André Cardoso Gomes Baliera, 27 anos, estudante de direito da USP morador atual de São Paulo. Recentemente foi vítima de homofobia no bairro Pinheiros, no qual foi relatado pela mídia de todo o país e devido tantos comentários no Freedom resolvemos contatá-lo para nos contar como aconteceu tudo isso! Na integra perguntas feitas por internautas do grupo.
André Baliera |
Grupo Freedom: André é um prazer enorme ter
você aqui conosco compartilhando a sua história! Pra começar, gostaria que você
falasse um pouco quem é André Baliera (um pouco de você)?
André Baliera: O
André é um fã dos Beatles e do Oasis e é gay. Acho que são as 3 coisas
principais a meu respeito. Tudo o mais é
mutável. Sou militante por achar extremamente injusto a subtração do direito
baseada em questões intrínsecas ao ser humano. E por isso milito não apenas
contra a homofobia, mas também contra o machismo, contra o racismo, contra a
marginalização do ser humano, contra o preconceito qualquer que seja ele. Sou
um cara normal, embora esteja sendo tratado como herói ou símbolo de qualquer
coisa. Sou da paz e a única luta em que acredito é a dos movimentos sociais por
direitos.
Grupo Freedom: Recentemente
o Brasil inteiro te conheceu pela agressão cometida por dois homofóbicos. O que
você acha que motivou essa atitude?
André Baliera: Exatamente
isso que você citou: homofobia. Qualquer outra coisa que passe pela minha
cabeça acerca do que aconteceu comigo é mera especulação.
Grupo Freedom: Você
já foi vitima de outro tipo de preconceito?
André Baliera: Já.
Ser gay nessa sociedade mentalmente arcaica em que a gente vive é ser alvo
constante de violências de cunho homofóbico. Diariamente acontece. Muitas vezes
por dia. O que chamou atenção nesse caso foi o fato de ter sido em Pinheiros e
contra um estudante de Direito da USP que resolveu não ficar calado. Na
periferia isso acontece toda hora e ninguém fica sabendo.
Grupo Freedom: O
que você acha das leis atuais contra a homofobia? Qual conselho você daria para a nossa
presidente para que esse tipo de agressão diminua?
André Baliera: Há
um hiato significativo na legislação penal no que concerne à questão da
homofobia. Enquanto o racismo é crime a homofobia nem existe no aparato penal.
Isso é lamentável. E, por favor, isso não significa que eu queira ver os dois
ou quaisquer outros agentes de homofobia na cadeia, longe disso, não acredito
no sistema penitenciário, mas isso precisa ser tratado com seriedade. À
presidenta? Bem, se eu pudesse eu diria a ela que há milhares de homossexuais
que sofrem apenas pela sua orientação sexual e que isso não nos cabe escolher,
é como a cor da nossa pele, e tão injusto quanto sofrer racismo é sofrer
homofobia e que, portanto, já é passada a hora de haver subsídios legais que
nos protejam. Sei que não cabe apenas a ela, mas ao poder legislativo, que
infelizmente é o poder mais retrógrado entre os 3 poderes que compõe o Estado,
mas isso também é culpa da sociedade, é culpa dos LGBTT que não entendem a
necessidade de votarem juntos e com consciência para transformar nosso acesso
aos direitos que a nós hoje não são permitidos.
Grupo Freedom: Você
vai abrir ou já abriu um processo judicial contra os agressores?
André Baliera: O
fato gera conseqüências em vários âmbitos do Direito. Em relação ao Direito
Penal, como o delegado entendeu o que houve como tentativa de homicídio, ele
corre sozinho com a atuação do Ministério Público, embora tenha sido
desclassificado o crime e aí eu realmente estou meio perdido. No âmbito
administrativo, o estado de São Paulo tem uma lei (a 10.948/01) que pune a
homofobia com multa e aí eu fui procurado pelo Dr. Paulo Iotti e pelo CCH
(Centro de Combate à Homofobia) para entrar com a ação cabível. E em âmbito
cível eu ainda posso pedir danos materiais e morais, o que o Dr. Paulo tem me
assessorado e na logo entrarei com a ação.
Grupo Freedom: Nossos
internautas fizeram bastante perguntas, e uma que achei muito interessante foi:
Qual foi o tratamento dispensado na delegacia? Você ficou satisfeito com o
atendimento e de fato o delegado responsável pelo caso está dando o devido
acompanhamento?
André Baliera: Na
delegacia eu fui absurdamente bem tratado e fico muito feliz de ter a
oportunidade de dizer isso. O delegado foi inovador ao entender o fato como
tentativa de homicídio, porque, segundo eu vim a saber depois, foi a primeira
vez que a homofobia foi encarada desse jeito e não como uma mera lesão
corporal. Acho que isso é um avanço importante politicamente na questão da
homofobia e lamento o fato do Ministério Público ter negado a denúncia pelo
crime de homicídio tentado porque há uma banalização da homofobia que poderia
ser posta em xeque dessa vez, mas pelo jeito o promotor não entendeu assim.
Grupo Freedom: Todos
os dias acontecem no Brasil casos como o seu, mas poucos chegam a mídia. O que
ela pode influenciar em casos assim?
André Baliera: A
mídia é o quarto poder do Estado. Como aconteceu com a lei dos crimes hediondos
que foi devido à pressão da mídia diante do caso da Daniella Perez dessa vez
podemos ter uma resposta à altura na tipificação do crime de homofobia, reitero
que não concordo com o sistema penitenciário e se a minha opinião fosse válida
aqui na pena cabível aos dois que me violentaram eu sugeriria trabalhos com a
comunidade LGBTT, seja no CCH, na CADS, sei lá, algo bem estruturado que os
fizesse pensar 30 vezes no que fizeram e antes de fazer de novo, com longas
sessões de aulas sobre o que é a homossexualidade, sensibilizações acerca do
assunto, mas ainda assim, ainda que não seja ideal colocar as pessoas na
cadeia, acho que é preciso tratar a homofobia como crime, porque a banalização
social da homofobia acontece exatamente por haver banalização no sistema legal,
e nessa questão a mídia seria ferramenta importantíssima para os avanços que
julgo necessário. É preciso haver o debate mais sério sobre isso. Enquanto o
beijo gay é rejeitado na novela, homossexuais sofrem, e assim é a nossa
sociedade... doente.
Grupo Freedom: Sabemos que em momentos de
raiva o nosso corpo reage, e fazemos coisas sem pensar. Você chegou a reagir? O que você pensou na hora?
André Baliera: Depende
sobre qual momento você está perguntando, quando ouvi as ofensas homofóbicas eu
reagi com ofensas recíprocas. Frases como “vai tomar no piiiiii” ou xingamentos como
“filho da piiiiii” saíram da minha boca e não me arrependo. Quando os dois
desceram do carro o Diego quebrou meu fone de ouvido e minha reação foi fazer o
mesmo com um óculos de sol dele e foi quando comecei a apanhar. E aí,
infelizmente, eu sou MUITO menor do que ambos e não consegui reagir.
Grupo Freedom: Eu li uma reportagem que
onde foi feito o boletim de ocorrência não havia indícios de homofobia. Essa
informação procede?
André Baliera: Claro
que não procede. Foi homofobia sim e as testemunhas já depuseram quanto a isso.
Qual outra razão poderia fazer duas pessoas aparentemente estudadas e de classe
média entrarem com o carro na contramão e atentarem contra a vida de um
transeunte senão o ódio?
Grupo Freedom: Segundo informações os seus
agressores são o Bruno Portieri e Diego Mosca. Você chegou a ver eles após o
acontecido? Algum deles
chegou a se desculpar com você?
Vendo tudo isso por fora, Qual é o seu sentimento diante deles?
André Baliera: Sim,
ficamos juntos na delegacia e foi horrível. O Diego aparentava arrependimento,
colocava a mão na cabeça e balançava o rosto como quem diz: “o que foi que eu
fiz?”. O Bruno em momento algum pareceu arrependido. Manteve a postura esnobe
contra as testemunhas, ameaçando-as; com os repórteres... repetia que era de
uma classe social privilegiada, afirmou que eu apanhei de besta porque não segui
meu caminho, e tudo aquilo que a mídia já mostrou. O que eu penso em relação a
eles? São pessoas que foram muito mal educadas, não sei se por suas famílias ou
pela sociedade. Eu realmente acredito que o preconceituoso também é vítima de
seu preconceito, não consigo acreditar que as pessoas criam “do nada” ódio por
outras pessoas, mas aprendem a tê-lo, e por isso não tenho raiva deles, tenho
raiva do que eles fizeram, porque toda vez que deito pra dormir a imagem do que
aconteceu volta a minha cabeça e fico transtornado.
Grupo Freedom: Foi relatado em algumas
matérias sobre a solidariedade das pessoas que presenciaram a agressão,
inclusive uma senhora que ficou do seu lado servindo de testemunha e fazendo
pressão com os policiais para que os agressores não ficassem impune. Como você
se sentiu tendo essa solidariedade das pessoas?
André Baliera: A
solidariedade das pessoas é o que me faz continuar falando sobre isso. Muitas
pessoas me procuram para relatar que já passaram pelo que eu passei, mas que
não tiveram coragem de se expor e me chamam de herói. Não acho que eu seja
herói coisa nenhuma, acho que sou um cara de bem que quer chegar em casa em
segurança e entende um pouco mais de Direito que a maioria das pessoas porque é
o que eu estudo, ninguém tem a obrigação de saber a importância de denunciar,
isso seria muito bacana se a mídia divulgasse incansavelmente, voltando à
pergunta sobre o que ela poderia fazer. E ainda de outras tantas pessoas que
nunca passaram por isso, tantos heterossexuais que entraram em contato comigo,
tantos familiares, eu recebi a esperança renovada sobre um mundo melhor.
Infelizmente não acredito que eu vá viver para ver um mundo ideal, sem qualquer
tipo de preconceito, mas receber o carinho de tanta gente me fez ver que um
dia, esteja vivo ou morto, o mundo vai ser melhor.
Grupo Freedom: Você acredita que atitudes,
podem provocar homofobia?
Qual conselho você daria aos gays para evitar?
André Baliera: Acreditar
eu acredito, mas JAMAIS aconselharia
algum LGBTT a agir de forma contrária a sua natureza. Não somos nós que estamos
errados, são os preconceituosos e isso é muito importante de ser repetido, não
é justo que um molde social conservador determine a conduta isenta de violência
das pessoas. Ora, se um gay tem trejeitos que viva em paz com seus trejeitos,
não é justo ser colocado atrás das grades do moralismo para satisfazer os
preconceituosos. Meu Deus, estamos em 2012, não estamos? O meu conselho é VIVA
e torne cada vez mais natural a homossexualidade. Os preconceituosos têm que
engolir SIM nossa existência, respeitá-la e repensar o que os faz
preconceituosos. Explodam os armários, bees, EXPLODAM pq é justo que vivamos
nossa essência como “eles” vivem. É claro que há um respeito de normas sociais
e bla bla bla, mas é simples: tudo o que os héteros podem nós também podemos e
devemos isso a tantos outros LGBTT que sofrem a violência que eu sofri. Esse é meu conselho: transformemos a
homossexualidade em algo tão comum que não haverá mais de incomodar, e os
incomodados... bem, o resto todo mundo sabe.
Grupo Freedom: Pra finalizar o que você espera
deste caso? Você está
confiante?
André Baliera: De certa forma acho que já respondi essa
pergunta, mas vamos lá. Espero que sejam sim punidos, mas não desejo que “mofem
na cadeia”, como não desejo em tantos outros crimes previstos no Código Penal.
E isso não é porque sou a Madre Tereza de Calcutá, mas simplesmente porque não
acredito na eficácia do sistema carcerário, que só faz ensinar como ser bandido
de verdade. Acho que seria muito mais sensato que eles estivessem próximos ao
meio LGBTT pra analisarem o que passamos diariamente e repensarem suas
condutas. Se estou confiante? Não. O Ministério Público já rejeitou a denúncia
e a juíza da vara do júri já decidiu pelo envio dos autos à vara comum.
Possivelmente eles serão julgados por lesão corporal e terão que pagar algumas
cestas básicas. Realmente não entendo o que isso faz ensinar às pessoas que
cometem crimes, mas é a nossa justiça e não posso olvidar que é o que eu
escolhi estudar e, embora seja lenta e às vezes estranha, é nela que eu
acredito.
Grupo Freedom: Agradecemos
a sua atenção e a sua boa vontade de nos atender, estamos torcendo para que os
agressores sejam punidos e que este caso não se torne mais um impune. O Freedom
estará sempre a sua disposição.
André Baliera: Eu quem agradeço, e coloco-me à disposição de vocês para
quaisquer esclarecimentos. Fico muito feliz da imprensa destinada ao público
homossexual ter me procurado porque acho importante falar para cada LGBT da
importância da nossa luta diária para alcançarmos os direitos que nos subtraem.
Beijos!
Por: Cicero Manoel